As afecções (doenças) vasculares podem ser agrupadas a partir de três tipos de vasos. As artériasconduzem o sangue do coração para os diversos tecidos (grupos de células). As veias são as condutoras deste sangue no retorno ao coração. Nem todo o líquido levado pelas artérias, que banha as células, retorna pelas veias. A complementação deste retorno é feita pelos vasos linfáticos. Assim, pode-se agrupar as afecções vasculares, segundo a sua relação preponderante com um destes tipos mencionados, em doenças arteriais, venosas, linfáticas e mistas (quando há mais de um tipo vascular acometido).
Alguns exemplos destes tipos são listados:
A aterosclerose, formação de placas na parede das artérias, em que há deposição de colesterol, sujeitas a fratura (ruptura da capa/ superfície interna fibrosa), é a responsável por fração significativa dos infartos agudos do miocárdio (quando acometem as artérias coronárias, que irrigam o coração), e dos acidentes vasculares cerebrais / encefálicos isquêmicos (AVCIs / AVEIs), ou seja, por parte significativa dos “derrames”.
É doença arterial avaliada (e, se há indicação, abordada) pelo cirurgião vascular quando acomete, por exemplo, a circulação cerebral extracraniana (artérias carótidas, p. ex. determinados pacientes acometidos por AVCIs / AVEIs/ “derrames”), ou as artérias que conduzem o sangue para os membros (por exemplo: artéria femoral, etc., em pacientes com lesões tróficas / feridas por falta de irrigação arterial, ou pacientes com dor isquêmica / dor por falta desta irrigação).
As varizes dos membros inferiores, dilatação e tortuosidade das veias superficiais, que ficam sob a pele, superficiais aos músculos, permitem o refluxo (passagem do sangue “na contramão”) e podem ser causa de desconforto (ou dor), inchaço, pigmentação, fibrose (retração da pele que guarda alguma analogia possível com uma cicatriz) e até formação de úlceras (feridas) venosas. Muitas vezes, são causa exclusivamente de insatisfação estética.
O linfedema, inchaço (edema) causado pela insuficiência do retorno linfático, pode acontecer como consequência à lesão dos vasos linfáticos pela infiltração de células tumorais (de câncer), ou pela extração de linfonodos (linfadenectomia é a retirada dos linfonodos ou “gânglios” que funcionam, também, como estações de “leitura” ou “filtração” dos vasos linfáticos). A linfadenectomia faz parte do tratamento destes tumores (p. ex.: tumores de mama ou de pele como o melanoma).
A obstrução dos linfáticos por parasitas (filariose), no Brasil (alguns municípios da região metropolitana de Recife, PE), a Wuchereria bancrofti, que, nas formas intensas, é chamada de elefantíase, é manifestação marcante da doença linfática, que chega à atenção do leigo (não profissional da saúde) durante o ensino escolar básico ou médio.
O leque de alternativas para o tratamento das afecções vasculares é grande. As diversas alternativas têm defensores legítimos e engajados. Muitos pacientes são tratados e beneficiados, porém, talvez nem todos.
Tomemos os aneurismas da aorta abdominal (AAA) (dilatação da maior artéria do abdome). Os aneurismas são dilatações arteriais maiores do que uma vez e meia (maiores do que 150%) o diâmetro esperado para o vaso (aqui, a aorta) considerado, para a idade e o sexo.
O maior risco dos aneurismas nesta topografia (desta região) é a ruptura, com o consequente sangramento (hemorragia). Quando a ruptura ocorre, grosso modo, metade dos pacientes chegam com vida ao hospital. Destes, a ordem de grandeza da fração dos que deixam o hospital com vida é também de aproximadamente a metade. Além das tentativas de melhorar estes resultados, há grande importância no tratamento antes da ruptura.
Existem duas modalidades principais (mais usadas) de tratamento do AAA.
A cirurgia aberta, que envolve a substituição do segmento doente por uma prótese de poliéster trançado (ou PTFE), costurada na artéria saudável, começando antes até depois do aneurisma.
E a intervenção endovascular, onde se procura excluir o aneurisma doente, desviando o sangue pelo interior de um stent revestido (ou endoprótese), que fica apoiado (aposto) na artéria saudável, começando antes até depois do aneurisma.
A cirurgia aberta apresenta os riscos e desconfortos perioperatórios (primeiro mês após a cirurgia, e/ ou até a alta hospitalar) relacionados a uma cirurgia de porte maior, e o desafio que é imposto às reservas de funcionamento do organismo do paciente, nesta fase inicial.
A intervenção endovascular possui riscos e desconfortos perioperatórios (primeiro mês após a cirurgia, e/ ou até a alta hospitalar) menores, relacionados a um procedimento de menor porte.
Porém, os resultados obtidos após o procedimento aberto ou endovascular são diferentes. Enquanto a cirurgia aberta produz a substituição do segmento doente, com um reparo duradouro e uma taxa de complicações menor, a médio e longo prazos, o mesmo não ocorre com a intervenção endovascular.
Na intervenção endovascular, há possibilidade de “vazamento” ou passagem do sangue “por fora” (ao redor) da endoprótese, levando a manutenção da pressurização da aorta doente (aneurisma). Este “vazamento” pode ocorrer ao redor da porção inicial (proximal), final (distal), entre os componentes (módulos) da endoprótese, ou a partir de refluxo (passagem do sangue “na contramão”) dos ramos que nascem no aneurisma (como a artéria mesentérica inferior ou as artérias lombares). Estes vazamentos (chamados de “endoleaks”) podem fazer com que o aneurisma mantenha o seu diâmetro, cresça ou até se rompa. Isto obriga o paciente tratado por intervenção endovascular a controle mais rigoroso do que aquele tratado pela via aberta, para o resto da vida. A chance da necessidade de reintervenção, para controle destes “endoleaks”, não é desprezível e não é reduzida com o passar do tempo.
As doenças venosas também comportam modalidades diferentes de tratamento. As varizes de membros inferiores, quando acometem a veia safena (magna), podem ser tratadas pela retirada do segmento doente, pela destruição da parede interna (lesão pelo calor) da veia com o uso de laser, ou de corrente elétrica alternada de alta frequência (“radiofrequência”). As colaterais varicosas (varizes que não a veia safena) podem ser retiradas por pequenas incisões ou punções. Têm sido abordadas, também, através da injeção de agentes esclerosantes (polidocanol, etc.), na forma de espuma. Estudos com ultrassom (ecocardiograma, doppler transcraniano) revelam que parte destes agentes esclerosantes não permanecem nas colaterais varicosas e ganham a circulação.
O conhecimento da anatomia e fisiologia (forma/ território a ser navegado e funcionamento), da evolução/ funcionamento e complicações da doença (fisiopatologia, prognóstico), condições clínicas do paciente (saúde e reserva funcional), aliados à familiaridade, e destreza, com as diferentes modalidades de tratamento, avaliadas criticamente, permitem a escolha e emprego daquela que oferece a maior possibilidade de benefício (correção do problema) com o menor risco de complicações imediatas e de longo prazo (durabilidade do reparo, etc.).
Esta abordagem/ raciocínio permeia a avaliação do paciente com diferentes doenças em que cabe intervenção ou tratamento cirúrgico.